sábado, 16 de janeiro de 2010

Fichamento de leitura do livro “O prazer do texto” de Roland Barthes

Marcos Holanda


Quem suporta sem nenhuma vergonha a contradição? Ora, este herói existe: é o leitor de texto; no momento em que se entrega a seu prazer. Então o velho mito bíblico se inverte, a confusão das línguas não é mais uma punição, o sujeito chega à fruição pela coabitação das linguagens, que trabalham lado a lado: o texto de prazer é Babel feliz.
Escrever no prazer me assegura a mim, escritor, o prazer de meu leitor? De modo algum. Esse leitor, é mister que eu o procure (que o drague), sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica então criado. Não é a pessoa do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo.
O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja. Essa prova existe: é a escritura. A escritura é isso: a ciência das fruições da linguagem, seu Kama-sutra (desta ciência, só há um tratado: a própria escritura). Como diz a teoria do texto: a linguagem é redistribuída. Ora essa redistribuição se faz sempre por corte. Duas margens são traçadas: uma margem sensata, conforme, plagiária (trata-se de copiar a língua em seu estado canônico, tal como foi fixada pela escola, pelo uso correto, pela literatura, pela cultura), e uma outra margem, móvel, vazia (apta a tomar não importa quais contornos) que nunca é mais do que o lugar de seu efeito: lá onde de antevê a morte da linguagem. Estas duas margens, o compromisso que elas encerram, são necessárias. Nem a cultura nem a destruição são eróticas; é a fenda entre uma e outra que se torna erótica. Daí, talvez, um meio de avaliar as obras da modernidade: seu valor proviria de sua duplicidade. Cumpre entender por isto que elas têm sempre duas margens. A margem subversiva pode parecer privilegiada porque é a da violência; mas não é a violência que impressiona o prazer; a destruição não lhe interessa; o que ele quer é o lugar de uma perda, é a fenda, o corte, a deflação, o fading que se apodera do sujeito no imo da fruição. A cultura retorna, portanto, como margem: sob não importa qual forma. A língua se reconstrói alhures pelo fluxo apressado de todos os prazeres da linguagem. Eis um estado muito sutil, quase insustentável, do discurso: a narratividade é desconstruída e a história permanece, o entanto, legível: nunca as duas margens da fenda foram mais nítidas e mais tênues, nunca o prazer foi melhor oferecido ao leitor. Ademais o êxito pode ser aqui reportado a um autor, junta-se-lhe o prazer do desempenho: a proeza é manter a mimesis da linguagem ( a linguagem imitando-se a si própria), a fonte de grandes prazeres, de uma maneira tão radicalmente ambígua que o texto não tombe jamais sob a boa consciência (e a má fé) da paródia (do riso castrador, do cômico que faz rir) . O que eu aprecio, num relato, não é pois diretamente o seu conteúdo, nem mesmo sua estrutura, mas antes as esfoladuras que imponho ao belo envoltório: (o autor não pode escrever o que não se lerá) - corro, salto, ergo a cabeça, torno a mergulhar. Daí dois regimes de leitura; uma vai direto às articulações da anedota, considera a extensão do texto, ignora os jogos de linguagem; a outra leitura não deixa passar nada; ela pesa, coloca-se ao texto, lê, se se pode assim dizer, com aplicação e arrebatamento.
Leiam lentamente, leiam tudo, de um romance de Zola, o livro lhes cairá das mãos; leiam depressa, por fragmentos, um texto moderno, esse texto se torna opaco, perempto para o nosso prazer.
Se aceito julgar um texto segundo o prazer, não posso ser levado a dizer: este é bom, aquele é mau. Não há quadro de honra, não há crítica, pois esta implica sempre um objetivo tático, um uso social e muitas vezes uma cobertura imaginária. O brio do texto (sem o qual, em suma, não há texto) servia a sua vontade de fruição: lá onde precisamente ele excede a procura, ultrapassa a tagarelice e através do qual tenta transbordar, forçar o embargo dos adjetivos - que são essas portas da linguagem por onde o ideológico e o imaginário penetram em grandes ondas.
Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gestos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem.
Ora, é um sujeito anacrônico aquele que mantém os dois textos em seu campo e em sua mão as rédeas do prazer e da fruição, pois participa ao mesmo tempo e contraditoriamente do hedonismo profundo de toda cultura (que entra nele pacificamente sob a cobertura de uma arte de viver de que fazem parte os livros antigos) e da destruição dessa cultura: ele frui da consistência de seu ego (é seu prazer) e procura sua perda (é a sua fruição). É um sujeito duas vezes clivando, duas vezes perverso. Na cena do texto não há ribalta: não existe por trás do texto ninguém ativo ( o escritor) e diante dele ninguém passivo (o leitor); não há um sujeito e um objeto.
O texto da fruição é apenas o desenvolvimento lógico, orgânico, histórico, do texto de prazer, a vanguarda não é mais do que a forma progressiva, emancipada, da cultura do passado: o hoje sai de ontem, Robbe-Grillet já está em Flaubert, todo o Nicolas de Stael em dois centímetros quadrados de Cézanne. Mas se creio, ao contrário, que o prazer e a fruição são forças paralelas que elas não podem encontrar-se e que entre elas há mais do que um combate: uma incomunicação, então me cumpre na verdade pensar que a história, nossa história não é pacífica, nem mesmo pode ser inteligente, que o texto de fruição surge sempre aí à maneira de um escândalo (de uma claudicação), que ele é sempre o traço de um corte, de uma afirmação (e não de um florescimento) e que o sujeito dessa história (esse sujeito histórico que eu sou entre outros), longe de poder acalmar-se levando em conjunto o gesto pelas obras passadas e a defesa das obras modernas num belo movimento dialético de síntese, nunca é mais do que uma contradição viva: um sujeito clivado, que frui ao mesmo tempo, através do texto, da consistência de seu ego e de sua perda.
O escritor de prazer (e seu leitor) aceita a letra; renunciando à fruição, tem o direito e o poder de dizê-la: a letra é seu prazer; está obsedado por ela, como o estão todos aqueles que amam a linguagem (não a fala), todos os logófilos, escritores, epistológrafos, lingüístas; dos textos de prazer é possível portanto falar (não há nenhum debate com a anulação do desfrute): a crítica versa sempre sobre os textos de prazer, jamais sobre os textos de fruição. Com o escritor de fruição (e seu leitor) começa o texto impossível. Este texto está fora-de prazer, fora da crítica, a não ser que seja atingido por um outro texto de fruição: não se pode falar sobre um texto assim, só se pode falar dele, à sua maneira, só de pode entrar num plágio desvairado, afirmar histericamente o vazio da fruição (e não mais repetir obsessivamente a letra do prazer). O texto tem necessidade de sua sombra: essa sombra é um pouco de ideologia, um pouco de representação, um pouco de sujeito: fantasmas, bolsos, rastos, nuvens necessárias; a subversão deve produzir seu próprio claro-escuro.
Diz-se incorretamente: ideologia dominante. Esta expressão é incongruente. Pois a ideologia é o quê? É precisamente a idéia enquanto ela domina: a ideologia só pode ser dominante. Tanto é justo falar de ideologia da classe dominante porque existe efetivamente uma classe dominada, quanto é inconseqüente falar de ideologia do dominante, porque não há ideologia dominada: do lado dos dominados não há nada, nenhuma ideologia. Senão precisamente - e é o último grau de alienação - a ideologia que eles são obrigados (para simbolizar, logo para viver) a tomar de empréstimo à classe que os domina. A luta social não pode reduzir-se à luta de duas ideologias rivais: é a subversão de toda ideologia que está em causa. Eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz.
Se você mete um prego na madeira, a madeira resiste diferentemente conforme o lugar em que é atacada; diz-se que a madeira não é isotópica. O texto tampouco é isotrópico: as margens, a fenda, são imprevisíveis. Do mesmo modo que a física (atual) precisa ajustar-se ao caráter não-isotrópico de certos meios, de certos universos, assim é necessário que a análise estrutural (a semiologia) reconheça as menores resistências do texto, o desenho irregular de seus veios.
Em suma, a palavra pode ser erótica sob duas condições opostas, ambas excessivas: se for repetida a todo transe, ou ao contrário se for inesperada, suculenta por sua novidade. Nos dois casos, é a mesma física de fruição, o sulco, a inscrição, a síncope: o que é cavado, batido ou o que explode, detona. O prazer da frase é muito cultural. O artefato criado pelos retóricos, pelos gramáticos, pelos lingüístas, pelos mestres, escritores, pais, esse artefato imitado de uma maneira mais ou menos lúdica: joga-se com um objeto excepcional, cujo paradoxo foi bem sublinhado pela lingüística: imutavelmente estruturado e no entanto infinitamente renovável: algo como o jogo de xadrez. A menos que para alguns perversos a língua seja um corpo? O que é a significância? É o sentido na medida em que é produzido sensualmente. Embora a teoria do texto tenha nomeadamente designado a significância (no sentido que Júlia Kristeva deu a esta palavra) como lugar da fruição, embora tenha afirmado o valor ao mesmo tempo erótico e crítico da prática textual, estas proposições são amiúde esquecidas, repelidas, sufocadas. O prazer do texto é isto: o valor passado ao grau suntuoso de significante.

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Este texto é um fichamento de leitura do livro "o prazer do texto" de Roland Barthes, 1ª edição – editora Perspectiva – traduzido do francês por J. Guinsburg. São Paulo 1977.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O CINEMATISMO E O PAPEL DO LEITOR IMERSIVO EM MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR.

Marcos Holanda Almeida

1-Introdução

A obra Memórias Sentimentais de João Miramar (1990), juntamente com Serafim Ponte Grande (1980) marca, segundo os críticos, o momento de maior inovação e, por conseguinte, o ápice da prosa inventiva de Oswald de Andrade. Esta inventividade está presente, como já o indica o próprio prefácio do livro, no uso da linguagem condensada e da metáfora lancinante. Esta mesma linguagem fragmentada e telegráfica aproxima-se da estética do cinema, formando assim uma prosa cinematográfica. Como observa Haroldo de Campos (1990, p. 29) o tempo requeria uma nova poesia e uma nova prosa, comensuradas ao cinema.
A inventividade a que empreendeu Oswald de Andrade pode ser notada pela constante ruptura dos gêneros em suas obras. Estas rupturas, que abolem os limites entre a poesia e a prosa, denotam a radicalidade de sua engenhosidade criativa, pois, em meio à produção poética da modernidade brasileira, o romance Memórias Sentimentais de João Miramar desponta como um texto narrativo peculiar e revolucionário no que se refere aos procedimentos de criação literária. O leitor tem um papel importantíssimo nesse tipo de estrutura pois cabe a ele configurar e dar plasticidade a obra. Nesse sentido, podemos dizer que, apesar de não ser uma narrativa digital, a obra exige um leitor do tipo imersivo, capaz de interagir com a sua estrutura re-significando a obra e por conseguinte sua cosmovisão.
A cena narrativa se compõe, assim, no momento mesmo em que a obra é performatizada. O leitor cria em sua mente um espaço virtual onde tem que configurar uma miscelânea de imagens e fragmentos, atuando como um montador de quebra-cabeças, interagindo, portanto, na confecção e na atualização do texto em obra.

(...)professora magrinha e recreio alegre começou a aula da tarde um bigode de arame espetado no grande professor seu Carvalho. (...)

Como um pintor cubista que junta um olho a uma perna, O.A. seleciona este ou aquele detalhe, reordena o mundo exterior segundo critérios próprios, estabelecendo novas relações de vizinhança e hierarquia.
Cabe ao leitor (imersivo), portanto, dar dinamicidade aos espaços de representação, como salienta Lúcia Santaella, mesmo quando está diante dos espaços representacionais da tela de um monitor, o infonauta já saltou para dentro da cena, é ele que confere dinamismo a esses espaços, tendo se transformado em elemento constitutivo de um ambiente cujas coordenadas infinitas só se limitam pela interface que ele atualiza no ato de navegação.(SANTAELLA, 2004, p-182)

2- O leitor imersivo e o cinematismo Oswaldiano

No ensaio Digressão Sentimental sobre Oswald de Andrade, Antonio Candido avalia a inventividade da prosa oswaldiana acentuando os processos que a aproximam da linguagem cinematográfica:

(...) a sua composição é muitas vezes uma busca de estruturas móveis, pela desarticulação rápida e inesperada dos segmentos, apoiados numa mobilização extraordinária do estilo. É o que explica a sua escrita fragmentária, tendendo a certas formas de obra aberta, na medida em que usa a elipse, a alusão, o corte, o espaço branco, o choque do absurdo, pressupondo tanto o implícito quanto o explicito, obrigando a nossa leitura a uma espécie de cinematismo descontínuo, que se opõe ao fluxo da composição tradicional. Freqüentemente a sua escrita é feita de frases que se projetam como antenas móveis, envolvendo, decompondo o objeto até pulverizá-lo e recompor uma visão diferente. (CANDIDO,1970, p.78)

Como vemos, é justamente desse cinematismo descontínuo, como aponta Candido, que surge a presença do leitor imersivo, leitor capaz de articular-desarticular as estruturas (móveis) do preterido romance.
Ainda sobre a presença do estilo cinematográfico da prosa Oswaldiana, culminando, portando, com a linguagem cubista, onde os fragmentos se justapõem e criam novos contextos através de relações de vizinhança e hierarquia, reorganizando o mundo exterior, temos o ensaio Estilística Miramariana de Haroldo de Campos onde o crítico assim se manifesta:

A propósito do Miramar, tivemos a oportunidade de deter-nos sobre a presença do cinema no estilo oswaldiano. A técnica de montagem – que é sobretudo uma técnica de criação de contexto através da manipulação de relações de contigüidade (embora dela possa resultar muitas vezes a metáfora no plano semântico) - , implicando elipses (suspensões ou cortes bruscos), traduz freqüentemente a atitude de metonímia com que o pintor cubista (um Picasso, um Braque, um Juan Gris) reordena o mundo exterior no cor-real estético que é o quadro, selecionando este ou aquele detalhe, estabelecendo novos sistemas de vizinhança, fazendo um olho, por exemplo, ganhar proporções e sobrepujar todo um rosto, uma perna justapor-se sem transição a uma cabeça, reorganizando livremente a anatomia da figura humana e as relações entre as coisas. (CAMPOS ,1992, p.100)
Em Memórias Sentimentais de João Miramar, o leitor assume um papel ativo, cabendo-lhe construir em seu espírito a síntese que dará significado ao romance, como bem acentua Keneth Jakson:

Uma das características mais notáveis deste “romance” do Sr. Oswald de Andrade deriva possivelmente de certa feição de antologia que ele lhe imprimiu... a construção faz-se no espírito do leitor. Oswald fornece as peças soltas... É só juntar e pronto (JAKSON, 1978, p 28).

Desta forma, Oswald reordena toda a nossa visão de mundo, pois seleciona fatos cotidianos relevando a eles uma acentuada importância que nós normalmente jamais perceberíamos não fosse a ênfase na descrição alegórica de seu personagem que acaba valorizando assim os fatos marginalizados da vida cotidiana por meio de seus recortes relâmpago e suas descrições telegráficas. Ao leitor imersivo, cabe, portanto, a ação de dinamizar e recriar os espaços de representação do texto, como acentua Jackson, a construção da obra se faz no espírito do leitor.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Oswald de, Trechos escolhidos por Haroldo de Campos, 21 ed. Rio de Janeiro, agir 1977.

BENVENISTE, E. Problemas de lingüística geral II . Campinas: Pontes, 1989.

CAMPOS, Haroldo de - Uma poética da radicalidade , in Oswald de Andrade, Poesias reunidas, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974.

CAMPOS, Haroldo de - Miramar na mira ,in Oswald de Andrade, Memórias sentimentais de João Miramar, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974.

CANDIDO, Antonio - Oswald viajante, in Vários escritos, São Paulo, Duas cidades,1970.

FONSECA, Maria Augusta.- Oswald de Andrade, São Paulo, Brasiliense, 1982.

JAKOBSON, Roman - in Lingüística e comunicação – Cultrix, 1973.

OLIVEIRA, Nelson (org.), "Geração 90 – os transgressores". São Paulo: Boitempo, 2003.

ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz. São Paulo: Cia. Das Letras, 1993.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Conceito de literatura brasileira

Resenha do ensaio “Conceito de literatura brasileira”, de Afrânio Coutinho¹.

Marcos Holanda
Profsocram@ig.com.br

O que é literatura? Quando começou?

Estas são as duas questões que levanta Afrânio Coutinho em um ensaio intitulado “Conceito de literatura brasileira”, afim de discutir a tradicional classificação da literatura brasileira em “Literatura Colonial e Literatura Nacional”.
O conceito, Literatura Colonial, segundo o autor, não é adequado à classificação literária brasileira, pois é um conceito puramente político, não aplicável ao objeto literário. “a literatura criada nessa condição pode ser inferior, da perspectiva da crítica literária, mas não é Colonial, isto é, não se produz segundo o mesmo processo pelo qual o povo colonizador exerce a colonização do povo colonizado”.
Buscando dessa forma, um conceito estético de literatura, Afrânio Coutinho considera como literatura brasileira toda a produção literária surgida desde o primeiro instante em que o europeu aqui se implantou.
Negando a classificação da literatura brasileira dos séculos XVI ao XVIII, como Literatura Colonial, fica claro que a definição Literatura Nacional, utilizada para definir a literatura brasileira dos séculos XIX e XX, também será descartada, uma vez que para ser nacional, a literatura não necessita do aval libertário. “A literatura brasileira iniciou-se no momento em que começou o Brasil”.
Dessa forma, Afrânio Coutinho levanta uma questão de absoluta e emergencial importância, que é justamente a revisão Crítica-estética-estilística de todo o nosso corpus literário, afim de encontrarmos uma periodização mais cabível à literatura brasileira, eliminando, assim, definições como, Período Colonial e Período Nacional e substituindo-as por Barroco, neoclássico, arcádico, romântico, etc.


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¹ Este texto é uma resenha do ensaio Conceito de literatura brasileira, de Afrânio Coutinho - 1ª edição – Livraria acadêmica, Rio de Janeiro – 1960.

Os gêneros e a Crítica Literária

Séc. XIX

Influenciado pelas ciências naturais, em especial pelo positivismo de Taine (1828-1895) e pelo evolucionismo de Spencer (1820-1903) e de Darwin (1809-1882), o crítico e professor universitário francês Brunetiére (1849-1906)defende a idéia de que uma diferenciação e uma evolução dos gêneros literários se dão Historicamente, como nas espécies naturais, sendo também determinados por fatores como raça ou a herança, as condições geográficas, sociais, históricas e a individualidade.

Brunetiére mantinha a posição normativa, segundo a qual os gêneros eram vistos como entidades existentes em si, independente mente das criações Literárias, com o que se deixava de lado a investigação do que era especificamente literários. Os gêneros, como realidade, determinariam as características da Literatura. A propósito, a poesia lírica romântica se configuraria como um gênero por ser nada mais que uma transformação natural da eloqüência sagrada do século XVII. Brunetiére propunha que fosse feito um estudo da origem, do desenvolvimento e da dissolução dos gêneros.

Benedetto Croce (1886-1952), filósofo e esteta Italiano, apôs-se diametralmente às concepções dogmáticas, naturalistas e normativas de Brunetére , combatendo-lhe o conceito de imitação, de gênero e de historiografia da obra Literária.

Segundo Croce, todo conhecimento ou é intuitivo ou lógico, produzindo respectivamente imagens ou conceitos. Ao conhecimento se liga a idéia de expressão intuir era expressar ações que nos libertariam da submissão intelectualista , que nos subordina ao e ao espaço da realidade. Croce recusava a sujeição da criação poética (de imagens) à realidade. Isso aproxima das concepções românticas, embora sua proposta tenha ido mais longe, entendia a obra literária como individualidade, considerando que quaisquer semelhanças de uma com as outras seriam de importância secundária. Daí ter preferido escrever monografias sobre autores individualizados, chegando a defendera idéia de que a história deveria fazer-se da reunião de monografias sobre grandes nomes da literatura.

Assim, a estética croceana nega a substancialidade dos gêneros, mas admite a sua instrumentalidade para a construção da história Literária, cultural e social. O conceito de gênero deveria ser entendido sempre como um elemento extrínseco à essência da poesia, uma vez que esta era sempre fruto da intuição-expressão.


Os gêneros em algumas teorias literárias do séc. XX

Os Formalistas Russos

Tynianov reintroduz a idéia de gênero como um fenômeno dinâmico, em incessante mudança, uma vez que Tynianov caracterizava a Literatura como uma constante função histórica.

Tomachevsky, consideraria como traços dos gêneros um agrupamento em torno de procedimentos perceptíveis. Ressalta que é impossível estabelecer classificação lógica ou fechada dos gêneros, porque sua dimensão é sempre história. Assim, os mesmos procedimentos podem levar a diferentes resultados, em cada época. Tomachevski, como Tynianov, ainda limitava o dinamismo dos gêneros na produção da obra às propriedades que, segundo eles, transformavam um texto em uma obra literária.

Bakhtin se voltaria para outro fator na concepção do gênero: a percepção. Além dos traços da linguagem, era necessário que se levassem em conta as expectativas do receptor, bem como a maneira como a obra literária capta a realidade. Segundo ele, era como se “filtros” se colocassem entre as obras e a realidade, selecionando-a de diferentes formas. Esses “filtros” não só permitiam distinguir o literário do não literário, mas também apontariam tratamentos específicos para cada gênero. Afastavam ainda uma generalização do que seria ou não seria historicamente literário. Assim, os gêneros apresentariam mudanças, em sintonia com o sistema da literatura, a conjuntura social e os valores de cada cultura.

Ao pregar que a nação de gênero inclui um conjunto de expectativas e de seleção de elementos da realidade, Bakhtin deixa de opor o social ao formal. Com isso, abandona as propostas imanentistas, caracterizadoras do literário apenas em suas diferenças lingüísticas.

Como um dos representantes máximos dos imanentismo, Roman Jakobson, com sua teoria da hierarquização das funções da linguagem no texto poético, identifica o literário como o predomínio da função poética sobre as demais e, com referencial (centrada na 3ª pessoa), na lírica(voltada para a 1ª pessoa), se situaria a função emotiva, e na dramática (ligada à 2ª pessoa ), se localizaria a função conotativa.

Emil Staiger em seu livro “conceitos fundamentais da poética” (1946), afasta-nos das classificações fechadas e substantivas de herança clássica, que sempre procuraram localizar as obras literárias na lírica, na épica ou na dramática. Traços estilísticos líricos, épicos ou dramáticos podem ou não estar presentes em um texto, independente do gênero.

Staiger analisa os traços dos gêneros em suas mais fortes presenças, sempre lembrando que nenhuma obra é totalmente lírica, épica ou dramática, não só por não apresentar apenas características de um único gênero, mas também porque essas características não se projetam, na constituição da linguagem, sempre da mesma maneira.

Northrop Trye, em sua obra Anatomia da crítica (1957), recolocou a questão dos gêneros acrescentando ao drama, ao épos e à lírica um quarto gênero: a ficção, que se diferencia do épos por ser episódico e contínua a ficção. Quatro são as modalidades da ficção: o romanesco (romance ), o romance (novel), a forma confessional e a sátira menipéia ou anatomia. Enquanto o romance não busca a criação de gente real, o romance (novel) apresenta personagens que trazem suas máscaras sociais. O romancista ocupa-se da análise exaustiva das relações humanas, enquanto o satirista menipeu, voltado para termos e atitudes intelectuais, prende-se às suas peculiaridades.


Estética da recepção

Hans Robert Jauss volta-se, em ensaio de 1970, para os gêneros literários, ressaltando que toda obra está vinculada a um conjunto de informações e a uma situação especial de apreensão e, por isso, pertence a um gênero, na medida em que admite um horizonte de expectativas, isto é, alguns conhecimentos prévios que conduziriam as redundâncias necessárias à recepção e à situação da obra e apresentariam marcas variáveis, não totalmente conscientes, que serviriam de orientação à leitura e à produção. A descrição de um texto literário seria, portanto, sempre história e guiada “pelo conhecimento das expectativas com que são recebidas e/ou produzidas.