quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O NARRADOR COMO REGENTE: O PAPEL DO NARRADOR NO ROMANCE DE DOSTOIÉVSKI.

O NARRADOR COMO REGENTE: O PAPEL DO NARRADOR NO ROMANCE DE DOSTOIÉVSKI.

Marcos Holanda

Análise

Este ensaio tem por objetivo básico analisar a posição do narrador no romance de Dostoiévski segundo a conceito de dialogia proposto por Bakhtin. O narrador, do ponto de vista dialógico, atende a uma posição de regente, ou seja, não dita as vozes das personagens, não pré-determina o que estas vão falar, mas antes orquestra-as, harmoniza o discurso polifônico das personagens dando a elas liberdade para dizerem / anteciparem, seu discurso em uma relação verdadeiramente dialógica, o que resulta em um inacabamento de seu discurso, uma vez que lhes é resguardada sempre a última palavra sobre si mesma e sobre seu mundo.

A personagem de Dostoiévski sabe que lhe cabe a última palavra e procura a qualquer custo manter para si essa última palavra, sobre si mesmo, essa palavra da sua auto-consciência, para nela não ser mais aquilo que ele é. A sua auto-consciência vive de sua inconclusibilidade, de seu caráter não-fechado e de sua insolubilidade(Bakhtin, 2002, p52).

Sabemos assim, por meio do discurso dialógico dos personagens como a construção de sua identidade vai se constituindo, ou seja, vemos como o narrador dá liberdade para que suas personagens questionem: quem sou eu?

Dizei-me: de que pode falar um homem decente, com o máximo prazer?

Resposta: de si mesmo.

Então, também vou falar de mim.

(Dostoievski, 2000, p 18)

Assim, não vemos o que a personagem é, em uma visão estereotipada pelo narrador, mas sim, o modo como ela, a própria personagem toma consciência de si mesma pela profusão de vozes que vão aparecendo no interior do discurso, ou seja, conhecemos a personagem na mediada em que ela dialoga com as outras vozes do discurso, na medida em que a totalidade das vozes presentes no discurso se harmonizam e nos apresentam uma possível definição, digo possível por ainda é dado a personagem a última palavra sobre si própria e seu mundo. Como resultado temos também uma personagem sempre inacabada, ou seja inconclusa:

Eis o que seria melhor mesmo: que eu próprio acreditasse, um pouco que fosse, no que acabo de escrever. Juro-vos, meus senhores, que não creio numa só palavrinha de tudo quanto rabisquei aqui! Isto é, talvez eu creia, mas, ao mesmo tempo, sem saber por quê, sinto e suspeito estar mentindo como um desalmado.

(Dostoievski, 2000, p 51)

A personagem de Dostoievski é um discurso pleno, é puro discurso, nós só a conhecemos pelo que ela fala, pelo que ela nos diz.

Dostoievski cria, assim, um narrador diferente do narrador convencional, um narrador que não mais tem a função de falar sobre a personagem, dando-lhe uma imagem concreta e previsível. A personagem tem agora a função de, num tom confessional, apresentar-se, definir-se.

Desta forma, podemos perceber que a lógica da personagem de Dostoievski se dá no momento em que ele dá auto-consciência a sua personagem, e na medida em que esta personagem é inconclusa, inacabada, indeterminada.Temos assim, uma personagem que em nenhum momento coincide consigo mesma. A posição do narrador se define assim, no exato momento em que este dá liberdade e apenas orquestra o conjunto polifônico do romance, passando a conhecer as personagens, juntamente com o leitor, no momento em que esta começa a dialogar, no momento em que a personagem toma consciência de si própria.


REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail, Problemas da Poética de Dostoiévski. Forense Universitária-3ªed – tradução e notas por Paulo Bezerra. RJ 2002.

DOSTOIÉVSKI, Fiodor, Memórias do Subsolo, editora 34 – tradução, prefácio e notas por Boris Schinaiderman- SP 2000.

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